sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Adultização Autora: Kalu Brum

Você acha que uma menina pintar unha, usar salto, maquiagem é um problema? Eu não acho... Explico, desde que faça parte da deliciosa brincadeira de ser criança, de imitar o adulto. Não podemos esquecer de nossa própria biografia como desejávamos crescer para conquistar as possibilidades do universo adulto. E cá estamos e revivemos nossos preciosos momentos junto com nossos filhos.


Eu sou muito grata a meu pai, por ter sempre batalhado para que eu e minha irmã tivéssemos roupas bonitinhas, mas que possibilitassem brincadeiras com liberdade de movimentos e para se sujar, que os sapatos fossem feitos para saltar, pés descalços sempre bem-vindos, cabelos curtos para a praticidade do dia-a-dia e mais que isso, uma pessoa sempre pronta para brincar junto.


A prataria da minha mãe era nosso restaurante em que tomávamos champanhe de água e saboreávamos na louça para datas especiais, pratos imaginários franceses. A gente colocava um pano na cabeça para ser o sonhado cabelão liso, escondendo os fios curtos e encaracolados, uma bolsa fina e nos sentíamos.


Apesar da vaidade da minha mãe, ela me preservou dizendo que a maquiagem era coisa de adulto, que não me impediu muitas vezes de entrar no banheiro e pegar a sonhada caixinha para todo meu rosto pintar. Lembro da alegria de fazer as unhas, aos 12 anos, pela primeira vez, perto do meu aniversário e ganhar meu primeiro batom e perfume.


A grande brincadeira da criança é imitar. E nesta imitação, a meu ver, os pequenos precisam ser preservados. Quando você pinta a unha de uma criança para que esteticamente ela não queira remover o esmalte com os dentes, vocês está inserindo o ato de pintar as unhas em um contexto adulto. Diferente da criança pegar uma canetinha que sai com água e brincar de pintar as unhas.


Esta semana pintei as unhas de vermelho e quando o Miguel viu, pegou sua canetinha e fez o mesmo. Eu disse para ele que meninas pintam as unhas e meninos não. Confesso que achei minha colocação machista, mas é uma realidade da nossa cultura. Pois bem, ele me disse que agora ele era a Nina, uma amiguinha dele. Aí eu disse: Nina, que unhas bonitas. E ele ficou todo feliz e em seguida estava brincando de outra coisa, com as unhas pintadas.


Na minha visão é muito diferente dar um estojo de maquiagem para uma criança do que ela assaltar o seu e brincar de ser grande, uma criança ter seu próprio batom ou usar um de uma tia que passou naquele momento especial, calçar o salto da mãe para caminhar pela casa ou ter seu próprio sapatinho de salto. As crianças se sentem confortáveis e felizes quando o contexto adulto e criança é bem desenhado.


Mas para isso penso que devemos ter clareza internamente sobre estas coisas. Por exemplo, meu marido gosta de, vez ou outra, tomar vinho. Um dia meu filho pediu e disse: isso é coisa de adulto. Quando vc for adulto poderá escolher se quer ou não tomar. Sugeri que naquela taça bonita nós colocássemos suco de uva. Ele brincou: sou grande. Estou tomando vinho. Em sua brincadeira ele não precisou do vinho para acontecer e sim da imaginação.


Como pais acho que devemos incentivar esta imaginação: o esmalte imaginário, o batom que não existe. Porque o desejo maior da criança e legítimo é crescer. E nosso dever, ao meu ver, é preservar a infância e nesta preservação, na xícara de café se toma chá, na taça, suco de uva, no brinde de final do ano, água. No rosto a imaginação de emprestar um batom que não está lá, de pintar a unha com um esmalte fantástico que tem a cor da imaginação dos nossos pequenos.


Penso que a televisão sim é a responsável por essa adultização e sexualização precoce. Quem viu aquele comercial da Lilica Repelica, com uma insinuação sexual sabe do que falo. Da filha sei lá de quem com salto, da filha da Xuxa que pinta cabelo, das meninas de 7 anos com sombra e roupa de mulher. A vaidade aparecerá de forma natural e a feminilidade será tão mais bem vivida se o tempo em que a criança teve para não se preocupar com isso for preservado.


Mas acho que com a TV fica mais difícil porque a imitação extrapola o imitar do pai/mãe/cuidadores e passa a ser dos personagens, dos desenhos que acompanham. As princesas do mar e suas maquiagens, as preocupações de Ariel e sua irmãs em conseguir um namorado intercalados com comerciais com frases: Barbie, tudo que você quer ser. Acho que da mesma forma como os meninos são expostos ao estímulo à violências e assassinatos precocemente, as meninas são incitadas em suas vaidades (talvez traços marcantes dos gêneros, mais ou menos evidente em cada indivíduo).


Mas sobretudo cabe a cada um de nós pais, dentro daquilo que consideramos certo traçar esta linha da imitação e da adultização. Não há como negar que crianças agem por imitação. Talvez meu alerta maior seja fazer pensar: a quem queremos que nossos filhos imitem? E quão fortes somos para dar, através da negação, um passaporte mais longo para esta fase que voa, chamada infãncia?

Texto de Kalu Brum - jornalista, mestre de Reiki e meditação e mãe do Miguel. Mais informações no blog http://mamiferas.blogspot.com/

2 comentários:

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